Foi no último mês de 2016 que o Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa deu à estampa o volume Storytelling: Memory, Love and Loss in Portuguese Short Fiction. Editado por Ana Raquel Fernandes, Patricia Odber de Baubeta e Paul Melo e Castro, este é o décimo primeiro livro da colecção Textos Chimaera – Translated Texts, à data coordenada por João Almeida Flor, Isabel Fernandes e Teresa Malafaia.

Publicado pouco depois de Contar um Conto (), onde, com Mário Semião, Ana Raquel Fernandes havia compendiado formas ficcionais breves de autores contemporâneos britânicos e irlandeses em tradução portuguesa, a edição do volume agora recenseado contou com uma tiragem de 300 exemplares e assinala a conclusão de um projecto de investigação internacional apoiado pela Cátedra Gil Vicente, da Universidade de Birmingham, Reino Unido, e assume como objectivo programático “to offer English speaking readers a sense of the richness and diversity of Portuguese literature as it emerged from dictatorship into the current democratic regime” (). À imagem do que sucedia naquela obra, também aqui o conto foi o género literário escolhido para cumprir o propósito do projecto, mais concretamente em vinte textos da autoria de onze autores portugueses: três homens (Jorge de Sena, José Cardoso Pires, Mário de Carvalho) e oito mulheres (Maria Judite de Carvalho, Maria Teresa Horta, Teolinda Gersão, Lídia Jorge, Hélia Correia, Luísa Costa Gomes, Ana Luísa Amaral, Inês Pedrosa).

Um breve preâmbulo da autoria dos organizadores, onde se dão a conhecer dados sobre a concepção e a preparação do volume, precede uma introdução onde João Almeida Flor assina uma reflexão sobre a importância da tradução como forma de contrariar o lugar periférico da literatura portuguesa relativamente às culturas anglo-saxónicas, e onde o autor alinha um conjunto de possíveis estratégias de leitura da antologia, procedimento que ecoa a dupla orientação (académica e não académica) da recolha. Seguem-se os blocos autorais (claramente identificados no índice que surge após a folha de rosto), formados por uma introdução crítica e pelos textos literários propriamente ditos. Excepto em três casos (Maria Teresa Horta, Teolinda Gersão e Ana Luísa Amaral), coincidem os autores dos ensaios introdutórios com os do exercício de tradução do conto português para língua inglesa, o que, por seu turno, sugere a valorização do processo de tradução na experiência hermenêutica. No caso de Teolinda Gersão e de Ana Luísa Amaral, o motivo para a não coincidência entre a figura do tradutor e do crítico deve-se à pré-existência de traduções que esta edição recupera.

Replicando o modelo de apreciação sugerido pelas editoras em momento paratextual, cumpre-nos salientar que uma das virtudes desta antologia é seguramente a de dar a conhecer a literatura portuguesa a um público que a tradução para língua inglesa torna potencialmente mais alargado. Que a escolha tenha recaído sobre o género “conto”, até em alternativa a outras formas literárias breves, satisfaz requisitos de leitura favoráveis a esse propósito divulgador, nomeadamente a curta extensão dos textos e a concentração narrativa que já , notável cultor do género, reconhecia como importantes estratégias na criação de textos para serem lidos sem interrupção.

Enquanto volume, na acepção mais puramente física da palavra, esta antologia possui o indiscutível mérito de aproximar o trabalho de autores, a representação de temas e a conformação de estilos que, pela sua natural diversidade, são propensos a apreciações comparativas marcadas pela noção de diferença. A decisão editorial de reunir esses diferentes produtos sob o signo da contemporaneidade, contudo, promove o contraponto crítico do exercício anteriormente mencionado e, assim, a reflexão sobre a natureza do próprio conto contemporâneo português, não só no âmbito da amostra constituída no/pelo próprio volume, mas também por, justamente, converter este conjunto de textos em amostra de uma circunstancialidade temporal e linguística que, por via da tradução, se torna acessível ao conhecimento e à análise crítica comparativa com discursos provenientes de outras circunstâncias geográficas e/ou cronológicas.

De resto, talvez se desejasse maior equilíbrio na extensão dos textos críticos que inauguram cada secção autoral dentro do volume, ou, pelo menos, algum comentário preambular justificativo dos ocasionais desvios encontrados, como sucede, por exemplo, nas duas últimas secções: indicamos, a título de exemplo, a introdução aos contos de Ana Luísa Amaral e a de Inês Pedrosa, que ocupam quatro e treze páginas, respectivamente, quando a maioria possui sete páginas. Que o motivo para esta desproporção não radica na quantidade de contos antologiados ilustra-o o facto de o texto introdutório à autora representada com mais contos neste volume, Maria Teresa Horta, com três narrativas breves, ocupar justamente o número de páginas mais frequentemente destinado ao discurso crítico.

A este comentário, cuja conformação quantitativa não pretende subsumir a qualidade das análises compendiadas, poderia talvez acrescentar-se apenas o desejo de ver associada à tradução algum comentário acerca da especificidade do exercício realizado. Muito embora reconheçamos que tal categoria crítica não se encontrava prevista na definição programática de objectivos, consideramos que poderia configurar um complemento útil ao discurso prévio sobre cada um dos autores, tanto mais nos casos já mencionados em que não se verifica coincidência entre as figuras do prefaciador e do tradutor.

Se se puder ler neste comentário a consubstanciação de um lamento pela vontade de ler ainda mais e nas mesmas condições de depuração, seriedade e rigor analítico e crítico que este volume tão bem ilustra e, portanto, um incentivo à continuidade do projecto, com foco noutros géneros e autores, então o propósito desta recensão terá sido amplamente cumprido.